terça-feira, 27 de maio de 2008

O meu avô e os seus 87 anos

Faria 87 anos, precisamente hoje.

Parabéns Avô, onde quer que estejas.

Para quem não teve a sorte de o conhecer, como eu tive, o meu avô chamava-se Carlos Paiva Valinhas. Era um homem a puxar para o magrinho, sempre bem arranjado, barba feita, cabelo penteado. Não era muito emotivo (só me lembro de o ter visto a chorar, para aí uma vez na vida...) e cultivava uma aura de disciplina com valores, que gostava de transmitir aos netos. Não era de ir à missa, detestava o Cunhal (cujas sobrancelhas e cabelo branco sempre achei parecidos com os do meu avô, ironia das ironias) e não suportava o Mário Soares. Tinha uma paixão que tentava sempre abafar pelo Cavaco Silva porque "ele foi o único primeiro ministro que aumentou as pensões dos reformados decentemente!!!!". Agora deve estar todo contente porque o professor é Presidente da República.
Seguia assiduamente os jogos do Benfica, mas não era sócio, que isso de dar dinheiro assim sem mais nem menos não fazia parte da filosofia dele. Gostava também da F1, e claro está, da Ferrari.
Desde que me conheço como gente, que o meu avô sempre trabalhou com automóveis. Começou numa oficina, como mecânico, num qualquer bairro em Lisboa até ter entrado na FIAT Auto Portuguesa, donde só saiu já bem depois da sua reforma, tendo sido responsável pela oficina e depois pelas reclamações dos concessionários. Lembro-me de ir ter com ele à sucursal de Alfragide, seu local de trabalho de sempre (agora um concessionário), oficina mor da marca durante anos, e andar por lá com ele a falar com os colegas a ver carros estripados dos seus motores, portas abandonadas, pneus sem jantes, estufas de pintura, mas também os mais recentes modelos, ainda por estrear. Quando ainda tínhamos o "Rally de Portugal", tive o privilégio de poder ver, com ele, a preparação dos carros das equipas "Lancia-Martini" e "Totip", duas das equipas oficiais mais conhecidas na altura que usavam a oficina como quartel general. Se calhar é por isso que gosto da FIAT...
Tenho saudades de sardinhadas na Lagoa, daquelas que demoravam horas a fazer e que o meu avô abnegadamente sempre orientava. Chinelo de enfiar o dedo (não havia a designação de "havaianas"), calção de banho, tronco nu e boné de pala ou panamá branco era a farda. Num banco de campismo, com o abano numa mão e um garfo na outra, com mestria dominava o lume para que as sardinhas ficassem mesmo na brasa.
Um dia tivemos um acidente quando íamos para casa, ter com a minha avó. O culpado trabalhava nas obras e a carrinha era da empresa. Ficámos com os dados do senhor e uns dias depois fomos tentar encontrá-lo. A casa dele ficava na zona agora conhecida por "Nova Carnaxide", mas na altura era um bairro clandestino enorme. O meu avô entrou por ali a dentro, comigo ao lado no carro (todo borradinho!!!!) e foi lá falar com o senhor. Resolveu o assunto e saímos de lá incólumes. Fiquei a achar que ele era o maior... Aliás, ainda acho.
Em 2004, no dia do pai, ele achou que era uma boa altura para se ir embora... Não consegui despedir-me dele como queria...
Mas a última vez que estive com ele foi em casa dos meu avós, a almoçar, mais o meu irmão, umas belas ervilhas com ovos, que ele tanto gostava e disso eu nunca mais me vou esquecer.

Parabéns avô.

6 comentários:

Anónimo disse...

Amigo, deixo-te um abraço. Pelas razões que bem sabes, sinto-me próximo destes teus sentimentos.

rosarinho disse...

Eu sou uma daquelas pessoas que teve a sorte de o conhecer e, além disso tenho a sorte de te conhecer a ti, que és um homem com um coração lindo que se lembra com este carinho todo do seu av^que já partiu!

Anónimo disse...

Mesmo estando a ler este teu post no escritório, fiquei com os olhos inundados de lágrimas...aliás estava aqui na manhã em que me ligaste a dizer que ele tinha partido.
Foi bom relembrá-lo pelas tuas palavras, até porque embora ele fosse pouco emotivo, sempre senti da parte do avô Valinhas um carinho enorme. Acho que ele gostava muito de falar comigo extensamente sobre o Benfica, a F1, o estado do país,...e sentia que estava feliz pelo facto do seu neto exemplar ter constituido a sua família.
De certeza que há net no céu e que ele lê o nosso blog, e até já deve ter ensinado o meu avô João a dominar esta nova tecnologia. Um beijo para os dois e para a avó Alice, com a promessa que um dia destes faço um post sobre eles, porque cada um, à sua maneira, deixaram muitos traços na minha vida.
Rita

Anónimo disse...

Ontem quando li o que escreveste sobre o VÔ fiquei muito feliz e com uma lagrimita nos olhos, a descrição da personalidade está excelente e reforço ainda que foi sempre um Pai presente preocupado com a sua plol, como Avô a preocupação era constante os netos SÃO (hoje onde esteja) muito especiais para ele, fui levar a prenda possível (flores lindas que tenho a certeza que gostou)obrigado pela lambrança do dia de Aniversário dele e pelo carinho e amor com que o descreves,um filhote valioso como sempre desejei, beijinhos da mãe

Unknown disse...

Querido amigo,
daqui chorona mor do grupo! Que bom que é recordar aqueles que partiram, mas que deixaram sobretudo boas recordações. Também tenho muito presente, de com o Rodas termos ido ter contigo a casa dos teus avós, e da única maneira que soubemos dar mos o nosso apoio!Obrigada por seres como és, também tu um exemplo!
beijinho grande com saudades. Marta Ventura

ana disse...

É engraçado, nunca pensei dizer isto, mas eu tenho saudades daquelas discussões da avó e do avô. Na maior parte das vezes era por nossa culpa: ou porque alguem tinha posto uma toalha dentro da sanita, ou porque eu e Rita gritavamos que nem umas loucas, ou porque o Miguel em vez de se ir logo embora para a escola, ainda vinha bater mais uma vezes à porta da avó...
As discussões eram barulhentas, mas apesar disso significava que estavamos juntos, que nos chatiavamos uns com os outros e nos preocupavamos uns com os outros.
Tenho saudades da casa da avó cheia, pronta para mais um dia a a abarrotar de gente á volta da mesa da sala. Tenho saudades das idas ás compras com o avô sempre implacavel com os preços e avó sempre pronta para nos dar um chocalatinho no final da ronda ao Lidle.
Quando entro em casa da avó olho para a cozinha e vejo: a luz acesa com o nosso avô Valinhas sentado no lugar da mesa onde sempre se sentou, provavelmente a ler o teletexto, com o comando em punho.
Creio que o avô Valinhas será sempre o avô Valinhas que todos tanto gostavamos e que nunca dissemos "adeus"... mas talvez um "até já".

Um beijinho da Nica